sábado, 1 de agosto de 2009

Vereadores discutem afastamento do relator

Política, Tribuna do Norte
Matéria publicada em 21 de julho de 2009

A Câmara Municipal de Natal volta do recesso legislativo e retoma as sessões, na próxima semana, e já começa com uma discussão explosiva: as denúncias de favorecimento por parte da prefeitura ao vereador Alberto Dickson (PP), relator da CEI dos Medicamentos, através de um contrato da Secretaria Municipal de Saúde com a Oftalmodonto Center Ltda - que já foi de propriedade do vereador e a qual ele continua prestando serviços — no valor de R$ 13.325,00 mensais sem licitação.

Vereadores de oposição defendem que o parlamentar do PP se afaste da relatoria da Comissão Especial de Inquérito (CEI) que investiga desperdício de medicamentos. As investigações criam, teoricamente, conflito de interesses entre o desempenho do vereador na comissão e as relações comerciais que mantêm, via a Oftalmodonto Center Ltda, com a SMS.

A vereadora Sargento Mary Regina (PDT) afirma que o contrato da clínica com o Executivo compromete a credibilidade do trabalho que vem sendo feito por Albert Dickson como relator da CEI. “Não estou fazendo pré-julgamento com relação ao vereador. Mas até para preservá-lo procurei Albert Dickson para dizer que seria melhor ele deixar a função”, comentou a vereadora. Ela observou que mesmo o vereador não sendo mais sócio da clínica, ele continua com o nome ligado à empresa (inclusive impresso na fachada) e “perante a opinião pública é muito difícil fazer a desvinculação”.

“Quero deixar claro que não estou acusando-o de nada. Ao contrário, sei que ele tem serviços prestados. Mas se continuar na relatoria, irá se expor perante a população. O vereador não precisa disso”, destacou Sargento Regina. Ela ponderou, ainda, que o próprio Albert Dickson poderia ter a iniciativa de colocar o cargo de relator à disposição da Comissão Especial de Inquérito. Mas defende que, caso o parlamentar do PP não renuncie à função, a bancada de oposição apresente o pedido formal para isso.

O vereador George Câmara (PcdoB) também é favorável à discussão do afastamento de Albert Dickson. Ele afirma que antes “Dickson precisa ser ouvido na Câmara Municipal”. “Não sou favorável a julgamentos antecipados. Albert tem que ser ouvido antes de qualquer decisão”, destacou.

Ney Lopes Júnior, vice-presidente da CEI dos Medicamentos, “discorda completamente” do afastamento do relator. Para ele, não há qualquer relação entre o contrato da Oftalmodonto Center com o trabalho da CEI. “Não tem absolutamente nada a ver. Não há relação. O que foi divulgado ele (Albert) já explicou. Onde está a relação da CEI com esse contrato? Ninguém ofereceu nada para ele (Albert) produzir relatório negativo. Aliás, o relatório será propositivo”, antecipou Ney Lopes Jr.

Conselho recomenda que Secretaria faça licitação
O Conselho Municipal de Saúde aprovou ontem, por unanimidade, uma recomendação à Secretaria Municipal de Saúde (SMS) para que seja aberta “imediatamente” uma licitação para a contratação dos serviços prestados atualmente, sem licitação, pela Oftalmodonto Center, empresa que tinha o vereador Albert Dickson (PP) como sócio até dezembro e onde, até hoje, ele atende e mantém seu nome na fachada. O contrato levantou dúvidas sobre o desempenho do vereador como relator da CEI dos Medicamentos.

O conselho chegou a discutir a sugestão de recomendar à SMS a anulação imediata do contrato com a clínica. No entanto, a proposta foi derrotada por seis votos a três. Os conselheiros temeram a lacuna no atendimento à população, que seria criada entre o fim deste contrato e a conclusão do processo licitatório. O presidente do CMS, Marcelo Medeiros, reforçou às criticas feitas a “inexigibilidade de licitação” no contrato com a Oftalmodonto center (renovado este ano de R$ 3.800 para mais de R$ 13 mil mensais). Segundo ele, não há justificativa para se contratar por 12 meses (podendo ser renovados por até 60 meses) uma empresa que presta serviços existentes também em diversas outras unidades de saúde da capital.

O contrato foi criticado por diversos conselheiros, como o representante dos usuários do Distrito Oeste, Onaldo Brunet. Ele foi o autor da proposta de anulação imediata. “Se deixar esse contrato correr, vai haver desigualdade quando for realizada a licitação”, ressaltou, complementando: “Conheço pessoas que foram atendidas nessa clínica e sei que ela não oferece bons serviços.”

Já o representante das entidades de combate às DST/Aids, José Dantas, foi ainda mais taxativo. “O primeiro erro desse contrato foi a dispensa de licitação. O segundo, é que se trata de uma clínica que era de um político. O terceiro, é esse prazo de 60 meses, que é o cúmulo do absurdo”, ressaltou. Ele lembrou de declarações da atual secretária de Saúde de Natal, Ana Tânia Sampaio, de que a gestão atual seria marcada pela “defesa da legalidade”, mesmo que isso representasse ter que descontentar políticos.

José Dantas observou, ainda, que é preciso realizar imediatamente a licitação, caso contrário um dia a prefeita, ou os demais representantes da Prefeitura, poderão ter de se explicar quanto ao contrato, que “soa muito como uma maracutaia, uma desonestidade.”

Secretaria admite recomendação
Representante da Secretaria de Saúde no Conselho Municipal, a secretária adjunta Ilza Carla Bernardes admitiu a possibilidade da SMS adotar a recomendação feita pelos conselheiros e abrir uma licitação para os serviços de oftalmologia como os prestados na Oftalmodonto Center. Ela lembrou, porém, que o trâmite do processo não depende da secretaria e não há como prever quanto tempo demoraria para se ter um resultado, daí a necessidade de não anular o contrato atual. “Não podemos deixar a população desassistida”.

Ilza Carla garantiu que a gestão municipal reconhece a necessidade de priorizar o atendimento em unidades próprias e assegurou que uma das preocupações tem sido exatamente a busca por contratos com prestadores públicos. Porém lembrou que “a demanda é imensa e a fila de espera também”, daí a necessidade de fechar contratos com as clínicas privadas.

Ilza Carla afirmou ainda que a compra e instalação de equipamentos capazes de realizar os exames oftalmológicos é uma das metas da SMS, mas “a longo prazo”. Primeiro, explicou ela, é preciso reestruturar a atual rede de saúde de Natal, que está “um caos”.

Memória
O extrato de inexigibilidade de licitação do contrato entre a Oftalmodonto Center Ltda. e a Prefeitura foi publicado no Diário Oficial do dia 24 de julho, incluindo na razão social o nome de fantasia: “Clínica Albert Dickson”. O vereador questionou a publicação, uma vez que seu nome não consta da razão social da empresa, e justificou o reajuste no valor (de R$ 3.800 para R$ 13.325,50 mil mensais) com base no acréscimo de exames de campimetria e na ampliação no número de consultas (de 350 para 400). O ex-prefeito de Natal, Carlos Eduardo Alves, considerou que a publicação prova “de uma forma contundente, o favorecimento indevido da Prefeitura ao relator da CEI dos Medicamentos”. No entender de Carlos Eduardo, “no mínimo, houve tráfico de influência”. Dickson, porém, lembra que deixou a sociedade na clínica em dezembro de 2008, mas admitiu que até hoje atende no local.

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