terça-feira, 30 de março de 2010

Outras dúvidas para 2010

Opinião, Diário de Natal
Nota publicada em 28 de março de 2010

Ney Lopes, Jornalista, advogado e ex-deputado federal // nl@neylopes.com.br

A recente decisão da justiça eleitoral, exigindo coerência dos partidos nas coligações a serem formadas, não esgota o debate das diversas questões relacionadas com a "segurança jurídica", no processo eleitoral de 2010. Em artigo publicado no DN de 07.03.10 ("Dúvidas da eleição de 2010") levantei dúvidas sobre o alcance do fim da desverticalização (EC 52). Opinei - e justifiquei - as razões de não ser permitido o "liberou geral". Ocorreu justamente isto, com o pronunciamento do TRE-RN. Ao aplicar o artigo 6°, da lei 9.504/97, a Corte Eleitoral confirmou os princípios constitucionais da fidelidade e disciplina partidária, interpretados conjuntamente com a desverticalização.

Dirimidas as primeiras dúvidas para 2010 surgem outras interrogações. Por exemplo: será que os filiados dos partidos influirão na decisão das coligações futuras? Ou isto valerá para uns partidos e outros não? As coligações levarão em conta o princípio da igualdadeda "segurança jurídica", através da efetiva participação dos filiados de cada partido? De que adiantará o acolhimento da tese do fortalecimento dos partidos, se as decisões internas na celebração das coligações não forem democráticas? O reconhecimento de um direito constitucional impõe a previsão dos meios legais para assegurá-lo.

Estabelece o direito eleitoral, que as normas de fidelidade e disciplina partidária são definidas nos estatutos. Para os partidos decidirem sobre qual coligação irão fazer poderão existir duas orientações estatutárias. A omissão de regras específicas, ou, a previsão de "cima para baixo", de outorga às cúpulas (Comissões Executivas) do poder de decisão, sem ouvir diretamente os filiados.

Na primeira hipótese, a técnica jurídica recomenda que a justiça eleitoral possa fixar regras justas, com base no artigo 23, XVIII, do Código Eleitoral, que define a competência do TSE "tomar quaisquer outras providências que julgar convenientes à execução da legislação eleitoral". Este fundamento legal justificou, por exemplo, a regulamentação da fidelidade partidária, diante da omissão do Congresso Nacional. Se o TSE supriu a lei, por que não poderá suprir o estatuto partidário?

Na segunda hipótese dirão alguns que não há como contestar o poder das cúpulas, em face da autonomia dos partidos. Há, entretanto, precedentes contrários a tal entendimento e favoráveis a aplicação do artigo 5° da Constituição, inciso XXXV, que considera não ser possível excluir do poder judiciário lesão ou ameaça de direito. Tal argumento garantiria a via judicial nos casos de violação de direito dos filiados, surpreendidos com decisões unilaterais, que conflitem com os interesses dos partidos.

O jornalista e crítico inglês George Orwell escreveu a famosa fábula "A Revolução dos bichos". A narrativa mostra a revolta dos bichos numa granja, a favor de maior segurança jurídica para a maioria. As leis eram alteradas, de forma a atender alguns e não a todos. Os revoltados assumem o comando da granja e fixam normas de conduta. Depois de aprovarem que "todos os animais são iguais", a lei é emendada com a expressão "mas alguns são mais iguais que outros", referindo-se aos líderes e dirigentes da insurreição, que "podiam tudo".

Será que em 2010, a exigência da coerência político-partidária nas coligações garantirá igualdade na participação direta dos filiados na hora de decidir, ou, como na fábula, alguns partidos serão considerados mais iguais que outros, com o único objetivo de garantir a barganha as suas cúpulas? De novo, caberá a justiça eleitoral pronunciar-se.

- Ney Lopes escreve neste espaço aos domingos

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