terça-feira, 27 de abril de 2010

CONSUMIDOR E O ENFARTE FATAL

Cultura/Opinião, Gazeta do Oeste
Nota publicada em 25 de abril de 2010

Ney Lopes - Jornalista, advogado e ex-deputado federal

Não uso tranqüilizante, mas pensei em procurar um médico para receitá-los. Tudo por conta de horas e horas pendurado no telefone para cancelar os serviços de um "pacote" de TV a cabo, Internet, telefone celular e evitar que a COSERN cobre multa na fatura mensal, mesmo com a existência de ordem para débito automático em conta corrente do BB, do conhecimento da empresa.

Verdadeira "via crucis". Quem atende o "call center" (central de atendimento) é treinado para cansar o cliente. Faz perguntas estapafúrdias. Depois que a reclamação é registrada, a atendente diz que o assunto não é com ela e transfere para outro setor. A linha cai. É preciso ligar de novo. Na ligação seguinte ouvem-se fitas gravadas, músicas e comerciais da empresa...

Na última de uma série de mais de dez chamadas, a atendente exaure todas as hipóteses para evitar o cancelamento solicitado. Sugere que transfira os serviços para um filho, ou, amigo. Desesperado, disse-lhe que era celibatário, vivia isolado, estava "quebrado" e não tinha dinheiro para pagar as contas. Por isto, iria morar no Japão como "dekasseguis" (denominação dada aos trabalhadores estrangeiros). A moça não titubeou: "ótimo! Os nossos serviços funcionam no Japão. Vou transferir a sua conta de celular para lá. De-me seu novo endereço!". Recusei com veemência e
irritação. Ainda deu para ouvir o sussurro dela: "seja educado". E a linha caiu, mais uma vez.

Volto a ligar e informo o CPF, identidade, nome de pai, mãe etc. Uma voz do "além" atende e após dramático apelo aceita cancelar o "pacote de serviços". Solicito o número do novo "protocolo" de atendimento para comprovar o cancelamento. Aquela altura, já haviam me dado quatro protocolos diferentes! A informação é que valeria o primeiro número dado. Perguntei qual era este primeiro número.

A atendente negou-se a informar o protocolo exato do último cancelamento e desligou. Fiquei literalmente pendurado ao telefone, com os nervos a flor da pele. O quer fazer? Reclamar a quem? Que prova tinha do pedido de cancelamento? Nos diálogos telefônicos (para não dizer extrasensoriais) propus pedir o cancelamento por email, ou ir ao escritório da empresa. A resposta foi que não aceitavam cancelamento por escrito, nem via Internet e a empresa não tinha escritório. O atendimento era exclusivamente pelo telefone. Verdadeira prática de sadismo, com a clientela indefesa.

Quanto a COSERN sofri multa por atraso de pagamento da fatura mensal (???), mesmo existindo autorização de débito automático em conta corrente, com saldo positivo, referendado pela empresa. Tenho a conta em mãos. A única certeza de tudo é a chegada da cobrança no final do mês. Se não pagar, o nome irá para o SPC. Seguro saúde e cartão de crédito devem ser também incluídos nesta lista. Ao cidadão indefeso, só resta procurar um bom cardiologista para evitar o enfarte fulminante. Falta legislação específica, que obrigue as empresas atenderem diretamente aos usuários, com prazo para a solução, sepultando de vez as "vozes" sobrenaturais do "call center".

A propósito, a empresa Brasil Telecom S/A foi condenada, recentemente, a pagar R$ 20,4 mil de indenização por danos morais, em razão da morte de um cliente, que sofreu enfarte, enquanto tentava cancelar serviço, usando o sistema de "call center", vindo a falecer. A ação teve origem na Comarca de Uruguaiana - RGS (proc. n° 71002173979). Só peço a Deus que a minha família não seja obrigada a fazer o mesmo!

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