quarta-feira, 15 de setembro de 2010

POR FAVOR, NÃO PERTURBE!

Opinião, Gazeta do Oeste
Nota publicada em 18 de setembro de 2010

A imprensa divulga que estão sendo vigiadas as caminhadas de candidatos, com medições de decibéis dos alto-falantes e amplificadores dos carros de som. Apreendem-se “manu militari” veículos e equipamentos. Não há defesa, nem contestação.

Estes pormenores transformam a eleição num monólogo de surdos e mudos. Saiu-se das “farras” dos showsmicios, com cachês caríssimos de artistas famosos, distribuição de bonés e camisetas, para o outro extremo, no qual os candidatos sem recursos econômicos ficam proibidos de levar a sua mensagem ao eleitor, pelo excesso de proibições. O típico dilema do “oito ou oitenta”. Ninguém de bom senso se opõe a medidas para evitar a poluição sonora nas cidades. Na prática, o que vem acontecendo são os juízes interpretando o texto da lei neste particular e a fiscalização abusando das omissões da lei. Em consequência, beneficiam-se os candidatos com poder econômico, que ao invés de usarem carros de som para propaganda, “acertam” os apoios com lideranças e fazem as campanhas nas caladas das noites, com a distribuição de cestas básicas, medicamentos e moeda em espécie. Trabalham em silêncio e não correm riscos de serem incomodados.

Acabou praticamente a movimentação nas ruas, mesmo obedecido o horário das 8h às 22h e a distância legal de 200 metros das sedes do Executivo, Legislativo e Judiciário, quartéis, hospitais, casas de saúde, escolas, bibliotecas públicas, igrejas e teatros, quando em funcionamento. Constata-se na legislação e na Resolução do TSE 23.191 que não há regra sobre o que sejam abusos dos meios sonoros de comunicação eleitoral. As normas eleitorais estão tão confusas quanto à maioria das coligações partidárias, tudo pela omissão do Congresso na aprovação da reforma política.

O Código Eleitoral (art. 244, II) remete à legislação comum, o controle de decibéis permitidos nos alto-falantes dos carros de som. O artigo 243 estabelece que "não será tolerada propaganda que perturbe o sossego público, com algazarra ou abuso de instrumentos sonoros ou sinais acústicos". Em Curitiba (lei no 8.983/97), por exemplo, existe lei de proibição. Na falta de regra específica, as vedações inibidoras da campanha eleitoral estão sendo feitas à base de interpretações pessoais dos fiscais e, eventualmente, de juízes. Criou-se clima de profunda insegurança jurídica, em relação ao que significa “perturbação do sossego público” e o direito de o candidato falar ao povo para mostrar as suas propostas, sem perturbar o sossego público.

A orientação geral é a permissão restrita ao limite de 95 decibéis nos alto-falantes, o que não é previsto na lei, nem na Resolução do TSE. Este nível de som significa menos do que o ruído da buzina de um carro e é igual ao de um liquidificador ligado. Incrível! O artigo 347 do Código Eleitoral realmente obriga o cumprimento ou obediência das diligências, ordens ou instruções da Justiça Eleitoral. Todavia, para que isto ocorra devem ter base legal, decisão de um juiz e ser passível de recurso, com efeito suspensivo.

Esperam-se medidas urgentes de orientação acerca da exata interpretação do que seja poluição sonora, para o fim de preservação do “sossego público” e liberação da “propaganda eleitoral”. Caso isto não ocorra, os “cabos eleitorais” continuarão, sem incômodo, o trabalho de compra de votos em surdina, levando consigo placas com o aviso: “Por favor, não perturbe”! Em tal situação, pode ser evitada a poluição sonora, mas é consentida a poluição das consciências!

Ney Lopes - Jornalista, advogado e ex-deputado federal. nl@neylopes.com.br - www.neylopes.com.br

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