segunda-feira, 1 de novembro de 2010

O voto e Raquel de Queiroz

Opinião, Diário de Natal
Nota publicada em 31 de outubro de 2010

Ney Lopes, Jornalista, advogado e ex-deputado federal www.neylopes.com.br - nl@neylopes.com.br

Nada mais atual para ler hoje, dia do segundo turno das eleições presidenciais brasileiras, do que alguns trechos do artigo escrito em 1947 pela consagrada escritora Raquel de Queiroz, intitulado "Votar".

"Pelo voto não se serve a um amigo, não se combate um inimigo, não se presta ato de obediência a um chefe, não se satisfaz uma simpatia. Pelo voto a gente escolhe, de maneira definitiva e irrecorrível, o indivíduo ou grupo de indivíduos que nos vão governar, por determinado prazo de tempo.

"Escolhemos igualmente pelo voto aqueles que nos vão cobrar impostos e, pior ainda, aqueles que irão estipular a quantidade desses impostos. Vejam como é grave a escolha desses "cobradores". Uma vez lá em cima podem nos arrastar à penúria, nos chupar a última gota de sangue do corpo, nos arrancar o último vintém do bolso.

"E, por falar em dinheiro, pelo voto escolhem-se não só aqueles que vão receber, guardar e gerir afazenda pública, mas também se escolhem aqueles que vão "fabricar" o dinheiro.

"Escolhem-se nas eleições aqueles que têm direito de demitir e nomear funcionários, e presidir a existência de todo o organismo burocrático.

"E assim, amigos, quando vocês forem levianamente levar um voto para o Sr. Fulaninho, que lhes fez um favor, ou para o Senhor Sicrano, que tem tanta vontade de ser governador, coitadinho, ou para Beltrano que é tão amável, parou o automóvel, lhes deu uma carona e depois solicitou o seu sufrágio, lembrem-se de que não vão proporcionar a esses sujeitos um simples emprego bem remunerado. Vão lhes entregar um poder enorme e temeroso. Vão fazê-los reis; vão lhes dar soldados para eles comandarem e soldados são homens cuja principal virtude é a cega obediência às ordens dos chefes. Votando, fazemos dos votados nossos representantes legítimos, passando-lhes procuração para agirem em nosso lugar, como se nós próprios fossem. Entregamos a esses homens tanques, metralhadoras, canhões, granadas, aviões, submarinos, navios de guerra - e a flor da nossa mocidade, a eles presa por um juramento de fidelidade. E tudo isso pode se virar contra nós e nos destruir, como o mostro Frankenstein se virou contra o seu amo e criador.

"Votem, irmãos, votem. Mas pensem bem antes. Votar não é assunto indiferente, é questão pessoal! Escolham com calma, pesem e meçam os candidatos, com muito mais paciência e desconfiança do que se estivessem escolhendo uma noiva ... O governo, quando é ruim, ... nos põe na rua, tira o último pedaço de pão da boca dos nossos filhos e nos faz apodrecer na cadeia. E quando a gente não se conforma, nos intitula de revoltoso e dá cabo de nós a ferro e fogo.

"E agora um conselho final, que pode parecer um mau conselho, mas no fundo é muito honesto. Meu amigo e leitor, se você estiver comprometido a votar com alguém, se sofrer pressão de algum poderoso para sufragar este ou aquele candidato, não se preocupe. Não se prenda infantilmente a uma promessa arrancada à sua pobreza, à sua dependência ou à sua timidez. Lembre-se de que o voto é secreto. Se o obrigam a prometer, prometa. Se tem medo de dizer não, diga sim. O crime não é seu, mas de quem tenta violar a sua livre escolha. Se, do lado de fora da seção eleitoral, você depende e tem medo, não se esqueça de que dentro da cabine indevassável você é livre. Falte com a palavra dada à força e escute apenas a sua consciência. Palavras o vento leva, mas a consciência não muda nunca, acompanha a gente até o inferno".

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