terça-feira, 21 de junho de 2011

Porta aberta à corrupção

Opinião, O Poti
Artigo publicado em 19 de junho de 2011

Porta aberta, não. Porta escancarada à corrupção e a fraude significa a MP aprovada na Câmara para afrouxar os controles e tornar sigilosa a aplicação de dinheiro público na Copa do Mundo e as Olimpíadas de 2016. Parece que o "sigilo" da origem do patrimônio de Palocci está virando moda. Pegou até nas concorrências públicas, após a aprovação da proposta relatada pelo deputado José Guimarães (PT-CE), irmão do ex-deputado José Genoíno, aquele mesmo acusado dos "dólares na cueca". O Brasil legaliza a corrupção através dessa lei, ao assegurar o aumento sem limites dos valores dos contratos na mesma licitação e a manutenção do sigilo nos orçamentos da União, Estados e municípios. Quer dizer, os preços poderão continuar subindo e o cidadão que paga imposto não saberá quem está recebendo, por que paga e quais os critérios dos pagamentos. Como explicar que a sociedade fique privada de informações sobre a despesa pública?

Incrível que isto aconteça, em nome da pressa na conclusão das obras. Se com as normas atuais da lei 8.666 os escândalos se sucedem, imagine sem elas. A decisão de trazer a Copa do Mundo para o Brasil foi em outubro de 2007. Já se foram três anos e sete meses e quase nada foi realizado. Será que essa demora foi proposital para justificar o "liberou geral" das obras públicas? O líder do governo na Câmara teve a coragem de dizer que o "segredo" era para diminuir preços e evitar o "combinemos" nas licitações. Ora, com os atuais preços abertos, o descalabro aparece dia a dia. Com os preços "sigilosos" aumentarão a perder de vista. A ganância do lucro não tem limites. Só a lei - bem aplicada - preserva o interesse público. O Brasil resolveu colocar a vigente legislação reguladora de concorrências na lata do lixo. Recordem-se os tristes episódios dos Jogos Pan-americanos no Rio de Janeiro, em 2007. Houve um aumento dos custos previstos - com tudo às claras - de 800%. De R$ 410 milhões em 2002 passou para R$ 3.7 bilhões. Com o "sigilo" aprovado na Câmara, legalizando as práticas "por baixo do pano", o dinheiro gasto na Copa e Olimpíadas sairá ralo abaixo, sem controles. Nunca ouvi falar que praticas "sigilosas" tenham impedido fraudes e corrupção. Ao contrário, aumentam. A Constituição brasileira em vigor (artigo 37) consagra o principio de que a administração pública, direta e indireta, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Note-se da "publicidade", que é contrário de "sigilo" de qualquer espécie.

A principal novidade na lei do "liberou geral" é a criação da "contratação integrada", sistema em que uma só empresa é responsável por todo o empreendimento, desde a elaboração do projeto até a execução da obra. Isto tudo sob a proteção do sigilo. De agora por diante, se não houver alterações no Senado, a administração não irá mais fazer um projeto básico da obra, documento que detalha a quantidade de materiais e mão-de-obra. Sem essa informação, se tornará impossível o anteprojeto de engenharia elaborado pela empresa oferecer ao poder público dados concretos para fiscalizar rigorosamente o valor da licitação.

Na expressão do presidente da Ordem dos Advogados do Brasil é um "leilão no escuro, em desfavor da sociedade". A Copa do mundo e as Olimpíadas, por mais que projetem o país, já trazem consigo a dúvida se "vale a pena" uma nação carente, com problemas de toda ordem, participar de uma "festa" tão onerosa. Muito importante observar, que tudo isto acontece às vésperas do ano eleitoral (2014), em que serão eleitos governadores e parlamentares. Será que facilitará o "caixa de campanha"?

O dinamarquês Hans Cristhian Andersen escreveu o conto em que um menino enxergou o que muitos não queriam enxergar e exclamou em plena via pública: "o rei está nu". Realmente estava. Até que se prove em contrário, a aprovação da MP na Câmara Federal mostra que o Brasil está nu! Enxergue quem quiser!

Ney Lopes, jornalista, advogado, professor de direito constitucional e ex-deputado federal, escreve neste espaço aos domingos.

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