terça-feira, 13 de setembro de 2011

Acessibilidade para todos

Cidades, O Poti
Matéria publicada em 11 de setembro de 2011

Deficientes poderão ganhar o direito de ingressar com acompanhante em eventos culturais e esportivos


Clarissa e sua mãe, Maria de Fátima, passaram por constrangimento em casa de show na capital

O constrangimento vivido pela estudante de pedagogia Clarissa dos Anjos Melo, 23, há 15 dias em uma grande casa de shows de Natal, poderá ser considerado ilegal por causa de uma lei municipal que já existe em outras cidades brasileiras. Na semana passada, os vereadores Ney Lopes Júnior (DEM) e Assis Oliveira (PR) apresentaram um projeto de lei na Câmara Municipal do Natal, que garante ao acompanhante de pessoas portadoras de deficiência que façam uso de cadeiras de rodas o acesso gratuito a eventos culturais e esportivos. Atualmente, o projeto está em análise na Comissão de Constituição e Justiça, em seguida irá para as comissões temáticas e deverá ser aprovado em duas discussões, antes da sanção pela prefeita Micarla de Sousa (PV).

O fato inspirador da lei aconteceu no Teatro Riachuelo, uma hora antes do início da peça "Não existe mulher difícil", com o ator Marcelo Serrado. Tetraplégica, Clarissa dos Anjos não consegue se locomover sem ajuda de um acompanhante. Clarissa, sua irmã Camila e o noivo desta, na condição de acompanhante, foram ao teatro assistir a uma peça. O acesso gratuito do acompanhante já tinha sido franqueado pela casa de espetáculos em três outras oportunidades.

Surpreendida pela negativa da semana passada, a jovem cadeirante teve uma crise de choro. "Como eu estava distante da bilheteria, gritei pra ver se o gerente me ouvia e me atendia, e fiquei nervosa porque eu queria ver a peça. Fiquei chateada e depois, chorei", disse Clarissa. O comportamento da estudante causou comoção nas outras pessoas que se encontravam no terceiro piso do Midway Mall.

Teoricamente Clarissa teria direito à lei porque não ocupa nenhum assento do teatro, e sim assiste ao espetáculo em sua própria cadeira. "Nós insistimos. Eles informaram à gente que ela teria que pagar ingresso e que a cadeira ficaria vazia do lado dela. Conversamos com vários funcionários, em vão. Até essa informação chegar pra gente passou-se uma hora. Como não conseguimos entrar, fomos embora",declarou a irmã de Clarissa, Camila dos Anjos Melo, administradora de empresas.

Inspirado na ocorrência, os vereadores elaboraram um projeto de lei que garante a todo portador de deficiência, que necessite de cadeira de rodas, a gratuidade do ingresso para seu respectivo acompanhante em eventos culturais, esportivos e de entretenimento, organizados por pessoas de direito público, privado e/ou filantrópico. "O cidadão que tem algum tipo de deficiência é um cidadão como outro qualquer, e muitas vezes eles precisam que o poder público e privado possibilitem meios para mais acessibilidade. Não há diferenças. É comum que esses direitos, bem como dos idosos, mulheres, sejam negados", ressaltou um dos autores do PL, o vereador Ney Lopes Júnior.

Segundo o vereador, o acompanhante está ali para que possa ser garantido o direito de se locomover do cadeirante. "Ele só irá a qualquer espetáculo se tiver ajuda de alguém, e não pode pagar em dobro em detrimento de um cidadão que tem direito". Uma das preocupações dos autores da lei é com o mau uso do futuro benefício. "O ingresso do acompanhante é pessoal e intransferível. Essa medida tem objetivo de evitar má-fé, pessoas que se aproveitem dos cadeirantes e queiram entrar nos eventos gratuitamente", explicou Ney Júnior.

"Não me senti especial"

Clarissa dos Anjos tem paralisia total com perda de movimento nos braços desde que nasceu. Com movimentos involuntários, ela não consegue andar nem fazer coisas básicas sozinha. Apesar da limitação física, ela não deixa de apreciar peças de teatro, shows musicais e frequentar espaço culturais como qualquer pessoa. "Gosto de teatro, mas achei uma falta de respeito comigo ou com qualquer deficiente que seja. Um teatro desse tamanho, tão bonito, deveria tratar qualquer cliente como especial, e não me senti dessa forma", destacou.

Para a estudante, a lei que poderá ser criada a partir de uma situação vivenciada por ela será bem vinda. "Me senti especialmente feliz por saber que poderei contribuir para mudar essa realidade, que vai beneficiar não só a mim, mas dezenas de outras pessoas". Após o que chamou de "indecente", a família de Clarissa procurou advogado e descobriu que não existe lei municipal ou estadual que regulamente o acesso de cadeirantes junto com acompanhantes.

Qualquer prestador de serviços deveria observar que muitas pessoas não têm a menor condição de se locomover sem ajuda de acompanhante. José Gonzaga de Melo, pai de Clarissa, disse que não é comum a filha passar por constrangimentos. "O fato se deu de forma inusitada, lá mesmo ela já havia sido recebida de forma satisfatória, sempre com acompanhante. Há 10 ou 15 anos ela ia a shows, não havia acomodações para ela, mas hoje em dia essa realidade tem mudado. Hoje em dia as pessoas estão criando mais consciência".

Segundo o pai da garota, no setor privado, como os shoppings, supermercados, as adaptações facilitaram a locomoção de pessoas como Clarissa. "O serviço público é quem deixa ainda deixa desejar", afirmou ele, referindo-se às inúmeras repartições públicas ainda sem rampas de acessibilidade, piso tátil, entre outras modificações físicas que são, inclusive, exigência legal.

Até o fechamento desta edição, o Teatro Riachuelo não se manifestou oficialmente sobre o fato ocorrido com a estudante Clarissa dos Anjos.


Saiba mais


O que diz o Projeto de Lei

Os organizadores dos eventos deverão afixar cartazes indicando o número desta lei e a redação constante na ementa em todas as entradas dos locais do evento. O descumprimento ou quaisquer constrangimentos causados ao cadeirante e seu acompanhante sujeita ao infrator multa equivalente a 10 salários mínimos, que deverão ser obrigatoriamente destinados a entidades sem fins econômicos, devidamente cadastradas no órgão competente do município, com reconhecimento de utilidade pública municipal e que tenham por objetivo proteger os direitos dos cadeirantes. Em caso de reincidência, o valor é triplicado.

AL também discute direitos

As políticas públicas e a cidadania para pessoas com deficiência serão debatidas amanhã, na Assembleia Legislativa, por iniciativa da deputada Márcia Maia (PSB). O encontro tem por objetivo garantir a construção de mecanismos de inclusão da pessoa com deficiência no Estado. A deputada apresentou dados de que o RN tem cerca de 17% das pessoas portadoras de necessidades especiais do país. O Estado é o segundo em número de pessoas com deficiência, atrás apenas da Paraíba. Os números são do último censo realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

No mercado de trabalho, de um universo de 26 milhões de trabalhadores formais ativos em todo o país, apenas 537 mil são portadores de necessidades especiais. Apenas 2% do total de empregos formais, número que deveria, segundo a legislação que prevê cotas desde 1999, variar entre o mínimo de 4 a 5%. "Isso prova que não adianta apenas termos leis, precisamos manter a vigilância para que sejam cumpridas de forma efetiva em favor da sociedade. Nãoé favor. É uma obrigação constitucional oferecer igualdade de oportunidade a todos os cidadãos", disse Márcia Maia.

No encontro de amanhã também serão abordadas questões importantes como acessibilidade, educação, dentre outras. A audiência pública será realizada no plenarinho da Casa, às 9h.


Clarissa dos Anjos tem paralisia total com perda nos movimentos desde que nasceu

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