segunda-feira, 1 de março de 2010

Lágrimas de saudade

Refletores da Fama
Nota publicada em 26 de fevereiro de 2010

Atento a solicitações, estamos postando na integra o artigo que o jornalista, advogado, ex-deputado federal, Ney Lopes, publicou sobre Lurdinha Guerra, em 09 de novembro de 2008, no Diário de Natal.


Ney Lopes – jornalista, advogado e ex-deputado federal

Quis o destino que na sexta, 31 de outubro, visitasse com Abigail o Santuário de Lourdes, na França. Pelo celular, chegou a trágica notícia. A nossa grande amiga, Lurdinha Guerra, acabara de falecer.

Vem de longe a amizade com Lurdinha. Em todas as eleições em que fui candidato contei com o apoio solidário dela. Sempre acreditamos na valorização da pessoa humana. Considerávamos a política, o exercício de uma vocação, e não esperteza ou oportunismo de aproximação com os necessitados para conseguir o voto na urna. Essa confiança nasceu no “Movimento de Natal”, liderado por D. Eugênio Sales na década de 60. Trabalhamos em equipe e sem remuneração, na criação de sindicatos de trabalhadores rurais, para conscientizar as populações dos princípios da Doutrina Social da Igreja, originários da Encíclica “Rerum Novarum”, de João XXIII e dos
ensinamentos do Padre Lebret. Quantos se apresentam hoje como progressistas e nunca tiveram história de vida semelhante?

Alguns – mais conservadores – chamavam-na à época de comunista, assim como todos nós que integrávamos o SAR (Serviço de Assistência Rural), da Arquidiocese de Natal. Por força desse trabalho, o RN foi o único estado do Nordeste, onde não prosperaram as “ligas camponesas”, lideradas pelo revolucionário Francisco Julião.

Ela era pura e idealista. Lembro que logo após a campanha de Ney Jr., em Natal – na qual teve participação decisiva –, conversou comigo e Abigail no ICTA (Instituto Claudionor Telógio de Andrade) – entidade beneficente que nunca recebeu um tostão de dinheiro público – onde prestava serviço voluntário e gratuito. Avaliamos o quadro eleitoral e as dificuldades de uma campanha de vereador – mais difícil do que deputado federal –, em que o voto é garimpado pessoa a pessoa. Analisamos certos momentos da política, onde muitos almejam apenas o retorno material imediato. O espírito público, de amizade e de solidariedade parece desaparecer.

Lurdinha gostava de política. Mas de uma política decente. Aproximava-se das comunidades para conhecer as suas carências. Gastava do próprio bolso, atendendo urgências. Sempre esclarecia que aquilo não era compromisso eleitoral. Exemplo foi a sua presença no Guarapes, bairro de Natal. Identificou, no início deste ano, grupos de jovens que aspiravam melhoria de vida, sobretudo emprego e oportunidades. Criou uma associação, recolheu livros, mesas, cadeiras, inclusive uma TV. Iniciou a projeção de cursos de alfabetização. Tudo doado. O verdadeiro objetivo era a promoção humana. Ao invés de dar o peixe, ensinava a pescar. Esse trabalho, o vereador Ney Jr. pretende dar continuidade, com a criação da Fundação Lurdinha Guerra.

Voltei a Natal, depois do compromisso no Fórum Internacional sobre América Latina, na França. Não pude participar do seu sepultamento. No dia seguinte, em telefonema, os meus filhos testemunharam que, no cemitério, pessoas visivelmente carentes e anônimas choraram copiosamente.

Deus recebeu Lurdinha Guerra na eternidade, como prêmio pela vida honrada que teve, ao lado da família, dos filhos e da sua mãe – Dona Belmira, com mais de 90 anos – a quem prestava total assistência, com zelo e carinho.

No belíssimo Santuário de Lourdes, em frente à gruta onde a Virgem Imaculada da Conceição apareceu à Santa Bernadete, eu e Abigail rezamos e acendemos uma vela em sua memória. Por acaso, o local tem nome de Lourdes. O clima de reflexão e oração fez rolarem, em nossas faces, lágrimas de eterna saudade.

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