segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

O Nobel latino-americano

Opinião, Diário de Natal
Nota publicada em 12 de dezembro de 2010

Li o discurso do escritor peruano Vargas Llosa, que na última terça aceitou em Estocolmo a indicação do seu nome para o Nobel de Literatura em 2010. Texto belíssimo e erudito de um extraordinário esteta da linguagem, romancista e dramaturgo, com influência em todas as áreas da criação. Certamente, alguns "patrulheiros" de plantão irão rotulá-lo de direitista, por condenar abertamente o autoritarismo político de Cuba e da Venezuela. O talento é dado por Deus e não depende de ideologia, doutrina ou religião. Somente a inveja e a ingratidão humana tentam negá-lo. Outros luminares das letras assumiram posições ideológicas antagônicas e merecem o respeito universal. García Márquez proclama a sua amizade íntima com Fidel e se diz marxista. Picasso era filiado ao partido comunista. Saramago, também militante comunista, defendia o regime de Castro em Cuba e propunha a entrega de Portugal à Espanha para fundar uma nova nação chamada Ibéria. O compositor Richard Wagner foi exemplo para onazismo pelos ensaios anti-semitas que escreveu.

Antes de Vargas Llosa, apenas três escritores latino-americanos e um de língua portuguesa receberam o prêmio Nobel. Gabriela Mistral, chilena, se tornou o símbolo da poesia lírica e das aspirações da corrente idealista da América Latina. Pablo Neruda, também chileno, considerado uma das maiores expressões da poesia latino-americana. Gabriel García Márquez, colombiano, romancista universalmente conhecido. O português Saramago, crítico da democracia. Na literatura, três brasileiros chegaram a ser apontados como possíveis ganhadores do Nobel: Jorge Amado, Carlos Drumond de Andrade e João Cabral de Melo Neto.

A obra de Jorge Mario Pedro Vargas Llosa é recheada de questionamentos políticos. Em 1990, lançou-se candidato à presidência do Peru, sendo derrotado por Alberto Fujimori. Sua experiência na campanha foi relatada no livro de memórias "Peixe na água" (1993). Vargas Llosa filiou-se ao partido Comunista na juventude. Com o passar dos anos, empenhou-se em lutas afavor das liberdades e oportunidades iguais para todos. Terça feira passada, emocionou a platéia sueca ao declarar que vale a pena viver, "até porque sem a vida não se pode ler, nem sonhar". Reconheceu que a literatura constrói "pontes entre pessoas diferentes, fazendo-as gozar, sofrer, terem surpresas, todos unidos na língua, crenças e costumes". Sobre o futuro da América Latina, repetiu o verso de César Vallejo: "ainda há muito que fazer". Incluiu o Brasil como uma democracia onde convivem as ideologias e condenou "pseudos palhaços populistas" latino-americanos. Rejeitou os "nacionalismos exacerbados", responsáveis pelos piores massacres da história, como a II Guerra e derramamento de sangue no Oriente Médio. Negou que a pátria sejam bandeiras, hinos, ou discursos demagógicos. Definiu-a como "um punhado de pessoas e lugares que vivem em nossas memórias, cheio de melancolia, com a sensação do calor humano, que independente de onde estejamos há a certeza de um lugar para voltarmos".

O premio Nobel surgiu em1901 na Suécia e homenageia o inventor sueco Alfred Nobel, titular de mais de 350 patentes, entre elas a dinamite. Milionário, ele consignou em testamento que parte da sua fortuna fosse destinada a premiar os avanços da física, química, medicina, literatura, ciências econômicas e a paz. Neste final de ano, o prêmio literário veio novamente para a América Latina. Reconheceu o talento de Vargas Llosa, que ao agradecer lembrou Flaubert: "escrever é uma maneira de viver".

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